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quinta-feira, 22 de julho de 2010

BUSCA DO CONCEITO: O QUE É DECORO PARLAMENTAR E QUAIS OS LIMITES LEGAIS?

Nas últimas semanas (e até meses) o tema do decoro parlamentar tem sido objeto de intensa atenção pela mídia. No Senado, com três casos notórios, envolvendo seu presidente, um senador que renunciou ao mandato e seu suplente. Na Câmara, além de cassações de mandato na legislatura passada, na atual, dentre outros problemas, há deputado preso antes da posse e outro acusado de mandar matar um colega. r

Sem adentrar no mérito e lamentando que tais questões tenham assumido posição de destaque no debate político, ao invés da necessária discussão de projetos e planos para o desenvolvimento nacional e redução de nossos problemas sociais, cumpre discutir o cerne comum: o que é decoro parlamentar? r

A definição é importante, porque o procedimento incompatível com o decoro parlamentar pode acarretar a perda do mandato do Deputado ou Senador (CF, artigo 55, II). Assim, somente após a delimitação do conceito é que se saberá em quais casos pode haver a perda do mandato. r

Porém, a delimitação legal do conceito de decoro parlamentar é incompleta, gerando dúvidas na sua aplicação. A Constituição Federal (artigo 55, parágrafo 1º) prevê como falta de decoro o abuso das prerrogativas pelo parlamentar, percepção de vantagens indevidas e atos definidos como tal nos regimentos internos. E os regimentos internos não vão muito além da redação do texto constitucional. r

No presente artigo poderiam ser repetidas as mais variadas conceituações de decoro previstas nos dicionários e nos ordenamentos estrangeiros. Porém, diante das limitações deste estudo, serão analisados apenas alguns parâmetros para delimitação do conceito de decoro parlamentar. r

Na busca do conceito há, no mínimo, dois desafios a serem enfrentados, ambos interligados: a questão temporal e a abrangência do dever de decoro. Na primeira, deve-se procurar estabelecer a partir de quando o parlamentar pode ser punido por falta de decoro. Na segunda, se o decoro abrange apenas atos praticados no exercício do mandato, relativos à atividade parlamentar, ou também outros, na vida política e pessoal. r

Quanto à questão temporal, são diversas as possibilidades. Numa primeira análise, pode-se discutir se o dever de decoro parlamentar - e, portanto, a possibilidade de punição por sua falta - decorre apenas do exercício do cargo, isto é, após a posse. r

Quando a Carta Magna fala em "abuso das prerrogativas" (artigo 55, parágrafo 1º) dá a entender que a perda do mandato por falta de decoro, ao menos por tal motivo, só deve ocorrer por atos praticados após a posse. Corroborando tal posição, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o ato contrário ao decoro parlamentar deve ter sido praticado na legislatura atual, mesmo na hipótese do faltoso ter faltado com o decoro na legislatura anterior na condição de parlamentar (MS 24.458, rel. Min. Celso de Mello, j. em 5.3.2003). r

Porém, tal entendimento não é único. Basta ver o resultado da decisão da Mesa Diretora do Senado, de 21 de agosto de 2007, com três votos a dois e duas abstenções. Isto é, com apenas sete membros (embora de diversos partidos), houve três posições e nenhuma delas de forma isolada (com apenas um voto). r

Por isto, resta saber se as outras hipóteses de perda de mandato por falta de decoro (por ex., percepção de vantagens indevidas) devem ocorrer somente após a posse. Isto porque o parlamentar pode, em razão do cargo a assumir, ter recebido vantagens indevidas. O que, por si só, deve caracterizar falta de decoro. r

Alguns podem advogar ainda a tese de que a possibilidade de punição por falta de decoro pode retroagir à data da diplomação. O que pode permitir a responsabilização de suplentes após a assunção do mandato. Numa extensão de tal entendimento, pode-se indagar por que não retroagir a obrigação de decoro à data da eleição. Ou o eleito, ainda não diplomado, não tem o dever de decoro? r

Indo além, pode-se retroagir à data do pedido de registro da candidatura. Isto porque tal ato é marco de ingresso voluntário na vida pública. E quem nela ingressa deve passar a agir com os deveres e responsabilidades de homem público. r

Mais complicada é a questão de atos praticados no passado, antes do exercício da atividade parlamentar, na vida pública ou privada, e que só se tornaram conhecidos após a posse. Para agravar a análise, imagine-se a prática de crimes hediondos ou atos de pedofolia antes do ingresso na vida pública e que só foram descobertos e provados quando o indivíduo se encontrava no exercício de mandato parlamentar. r

Não se pode negar a incompatibilidade com a dignidade do cargo. Além disto, a legitimidade do mandato fica prejudicada, pois neste caso não vale o argumento de que os eleitores perdoaram os atos anteriores. Pelo contrário, se os eleitores tivessem conhecimento dos fatos, talvez não votassem no candidato com tal passado. Com isto, a idéia de restringir a obrigação de decoro a partir da posse fica fragilizada, por trazer implicitamente uma remissão de todas as condutas anteriores. r

Outra grande discussão em tema de decoro parlamentar é a abrangência de tal dever, ou seja, se ele deve ser restrito ao exercício da atividade parlamentar, se é extensivo às demais atividades políticas ou até à vida pessoal ou empresarial do mandatário. r

É certo que há hipóteses restritas à atividade parlamentar, como o caso de abuso de prerrogativas. Mas há outras, como a percepção de vantagens indevidas, que não são restritas à atividade parlamentar. Na legislatura passada, a Câmara dos Deputados cassou o mandato de parlamentar em razão de possíveis atos cometidos no exercício do cargo de Ministro. E, numa interpretação mais extensiva, pode-se entender que a obrigação de decoro deve abranger a conduta na vida pessoal. Até porque nenhum parlamentar aderiu compulsoriamente à vida pública. Cuida-se de opção voluntária, que deve exigir paradigma de comportamento. r

Como visto, são múltiplas as possibilidades, não só de falta de decoro como também de sua abrangência e seu marco inicial. E, ao menos em princípio, o ponto inicial da obrigação de decoro deve ser o mesmo para todas as hipóteses legais. r

Em razão da falta de precisão dos textos normativos são dois os desafios. O primeiro, o estabelecimento da delimitação e tipificação da falta de decoro parlamentar para as hipóteses futuras. E, quanto aos casos passados, resta a interpretação dos genéricos textos atuais. r

O julgamento por falta de decoro tem nítido conteúdo político e como tal cabe aos julgadores a interpretação dos atuais textos legais. No entanto, o julgamento político não pode dispensar a segurança jurídica, inclusive para proteção dos próprios congressistas, pelo que urge a delimitação legal ou regimental do conceito de decoro parlamentar. r

Diante da problemática exposta resumidamente acima, passa-se a palavra aos senhores parlamentares.

Fonte: RIBEIRO, Renato Ventura. Busca do conceito: o que é decoro parlamentar e quais os limites legais?. Disponível em: http://www.lfg.com.br17 dez. 2007.

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